quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Olhinhos de quem quer tudo e eu também

 Paula Trubat

Já eram 10h30 e nada de a última instituição chegar. No fim da fila, minha empolgação se acumulava ao ver voluntários e crianças que enchiam o Circo. Precisei conter a vontade de segurar a mão de um dos pequenos e roubá-los de seus voluntários. Consegui. Queria uma criança que fosse só minha. 

Lá para as 11h e muitas, ela chegou. Como manda o figurino, ajoelhei, abracei a mocinha e perguntei “Seu nome?” “Lara” “Quantos anos você tem?” “Nove” “Legal, tenho uma irmã de sete anos” “E eu também”. Nos demos o primeiro sorriso. Seguindo as regras, sentamos para lanchar e continuamos a descoberta. “O que pediu para o Papai Noel, Lara?” “Pedi uma boneca, mas queria mesmo uma máquina fotográfica” “E eu também!” gritei eufórica e a menina riu da reação empolgada da voluntária. A conversa continuou e descobrimos uma sucessão de eu tambéns. 

Lara queria tudo. Pipoca, guaraná, cachorro-quente e batata. “Quer, tia?” “Não, Lara, obrigada”. Pirulito, bala e bolinho de chocolate. “Quer, tia?” “Não, Lara, obrigada”. Percebi que os olhinhos da moça não paravam de registrar tudo a sua volta e, antes que eu começasse a falar de novo, ela sacou o celular que trazia na bolsa e começou a tirar foto de tudo. Perguntou “Esses presentes grandes são para quem?” “Para vocês” e um olhão se arregalou no rosto da menina acompanhado de uma boca em forma de “O”. Eu ri.

Em pouco tempo de amizade, Lara segurou minha mão e foi me escalando. Primeiro agarrou a cintura. Depois subiu para as costas. Quando percebi já estava nos meus ombros pedindo para eu chegar mais perto do palco. Assenti e vi suas mãozinhas batucando o carnaval de Chico Buarque. “Não quer ir para o chão, Lara? Vamos sambar!”. Mas Lara não sambava. Não queria chão, queria colo. Tirava foto e ficava olhando com aquele olho arregalado para o palco. Uma voluntária amiga disse “não adianta, ela tá assim ó” e imitou os olhos arregalados acompanhados pela boca em forma de “O” da menina. Deixei. 

Reza a lenda que gente do Sonhando Juntos está acostumada com situações difíceis. Estamos. Mas sempre há uma novidade. Lara me contou que mora com avó, avô, mãe e irmãos. Seu pai? Foi preso há pouco tempo. “Sabe por que, Lara?” “Ele foi pego em assalto de cigarro” “Assalto de cigarro?” “É... roubando, sabe?”. Fiz que sim com a cabeça e ela continuou “na verdade ele é meu padrasto. Meu pai de verdade morreu... mas meu pai que tá preso me dá tudo, tia” “Dá tudo como, Lara?” “Ah, ele compra tudo para mim: celular, computador, roupas novas... tudo”. Eu não soube o que falar. Como explicar para a criança que isso não é tudo? 

Lara não quis explicação, preferiu ver mágica e comer pipoca. “Quer, tia?” “Não, Lara, obrigada”. Lara comeu. Pegou mais uma do saco e “Quer, tia?” “Não, Lara, obrigada”. Me olhou com aqueles olhos de quem não quer tudo para si e insistiu. Foi aí que entendi o recado. Não era só eu que estava ali para ensinar. Lara também. 

Nem celular, nem computador, nem todas as coisas que o pai de Lara tinha dado a ela faziam efeito naquela hora. Lara queria mágico, festa, Papai Noel e carnaval. E eu também. No final, a gente tinha aproveitado tanto de tudo que estávamos mortas com farofa. A instituição de Lara foi a última a chegar e, por isso, era justo ser a última a sair. Enquanto esperávamos seu ônibus, ficamos esparramadas no chão. Lara definitivamente não queria mais sambar. Queria colo. E eu também.