sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Com o coração nas mãos..




 
Ricardo Villa Verde

Era como eu estava ao entrar, na minha primeira visita, na ala de pediatria do Hemorio. Andava por um corredor colorido, cheio de desenhos, a espera de, a qualquer momento, encontrar com um anjinho precisando de ajuda. Foi o que aconteceu. A caminho da sala para fazermos a higienização das mãos, olhei de relance para a direita e vi as crianças que já nos esperavam para as brincadeiras. Eu vestia o nosso jaleco do Sonhar, a roupa que nos encoraja a sermos os transmissores de alegria, mas no fundo eu realmente estava com receio de não ter controle emocional para lidar com a situação.

Bola pra frente.  Assim como numa missão, já uniformizados, abrimos o armário e nos munimos com o nosso arsenal de brinquedos. Já era possível pensar em algumas brincadeiras enquanto escolhíamos os brinquedos que seriam levados para a sala de recreação. Não imaginava que ia encontrar tantos jogos do meu tempo de criança. De imediato lembrei da minha infância. Assim como o cheiro, é engraçado como alguns objetos conseguem nos transportar de volta ao passado ao ponto de conseguirmos, mesmo que por alguns instantes, vivenciar aquela época. Eu me sentia uma criança novamente, com todos os meus brinquedos favoritos ao meu redor, só que agora imaginando como seria se tivesse que, simultaneamente, lutar pela vida. Depois de alguns segundos com o olhar distante, um piscar de olhos me trouxe de volta a realidade e com ela veio a força que eu precisava para não esmorecer.

Entramos na sala de recreação, limpamos rapidamente o café com leite derramado que ocupava uma das mesas. Mais crianças iam chegando e os voluntários se separaram para que todas elas pudessem ganhar um novo amigo. Não houve nenhum comando, mas o instinto de ajuda direcionava os voluntários. Logo todas as crianças estavam entretidas com alguma coisa: lego, desenhos, bonecos, Uno, massinha, bola de sabão. Era uma verdadeira festa.

Aos poucos eu ia conhecendo um pouco de cada criancinha dali. Bati um papo com o Carlos Henrique enquanto ele coloria o desenho de “A Bela e a Fera” e eu o do Shrek. Logo percebi que, pela rotina dele no Hemorio, o assunto sempre voltava para os intervalos de horas dos medicamentos, escala das enfermeiras e até, para minha surpresa, possíveis causas dos sintomas apresentados pelo coleguinha, ainda de fralda, que estava sentado ao lado com a mãe.

De todas as crianças que estavam ali, só duas estavam indispostas para as brincadeiras. Percebi que, por serem crianças, elas persistem brincando até onde conseguem, até a mão doer de tanto colorir. Mas ao invés de desistir, elas param um pouquinho, descansam e voltam com todo o empenho. 

Foram várias as lições que aprendi em tão pouco tempo. Me dei conta de que não temos como prever os acontecimentos em nossas vidas, pois podemos ser surpreendidos de uma hora para outra. E que cada dia que passa é uma oportunidade que temos para fazer a diferença. E definitivamente tenho a certeza de que serei sempre um voluntário, pois, caso um dia eu precise de ajuda, eu iria adorar ter alguém do meu lado me fazendo sorrir! Obrigado, Sonhar!

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Quando pequenos heróis te ensinam o valor do presente





Fernanda Caldas

Nós, adultos, costumamos torcer pelo fim do expediente, pela chegada do fim de semana, pela chegada do verão... Passamos a vida planejando o amanhã, o futuro, deixando de lado o presente. Quanto tempo a gente perde na vida, planejando?

Conversando com esses pequenos (só de tamanho) heróis, que têm parte de sua infância privada pela doença e pelo sofrimento físico do pesado tratamento, percebemos que vemos a passagem de tempo de forma oposta.

Eles vêem o futuro como a volta para casa, escola e vida normal. O futuro almejado pela pequena Thalita, de 7 anos, é ser recebida em casa com um bolo de chocolate que sua tia prometeu fazer no dia de sua alta; é voltar à escola e a sambar com seus irmãos e primos. Analisando esse futuro idealizado por ela, conclui-se que o que ela mais deseja é ter sua rotina de volta. E rotina não é dia-a-dia, cotidiano? E cotidiano não é presente?

Por que nós, adultos, insistimos em enxergar o futuro como o que há de mais valioso, desprezando o hoje? Passamos a vida inteira buscando a felicidade, sem perceber que ela é justamente essa busca.

Por uma vida onde nós, adultos, continuemos a aprender com as crianças - e sua sabedoria e simplicidade; e onde os infinitos planos e o desperdício de tempo sejam substituídos por ação, atitude.

O presente é uma dádiva, não é à toa que se chama “presente”.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

O bigode azul

Erick Faustino

Às vezes, quase sempre, na verdade, as coisas se tornam pesadas demais. Julgamos não sermos capazes de suportar tantas responsabilidades, compromissos, obrigações ou seja lá o que for. Acabamos por perder nossa capacidade de seguir em frente, de acreditar que o amanhã pode, e vai, ser melhor. Pouco a pouco ficamos doentes e necessitamos, urgentemente, sermos curados.

Para esse mal existe o bigode azul. O bigode azul é capaz de, em poucos instantes, transformar o seu coração, transformar sua vida. O bigode azul carrega em si a capacidade de levar paz ao teu coração, de fazer você esquecer todos os problemas e dificuldades. O bigode azul tem a incrível capacidade de fazer você admirar a vida em sua forma mais simples e plena, que são o sorriso sincero e a felicidade.

Seja qual for o seu problema, a sua dificuldade, não se importe com quem esta ao seu lado ou com o que vão pensar de você, experimente, ao menos uma vez em sua vida, usar um bigode azul.

O bigode azul te cura de qualquer doença. O bigode azul te livra de todo mal.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A gente também não quer dar tchau

Bianca Mól

Engraçado como a vida e sua eterna pressa nos fazem esquecer as coisas mais simples que, numa contradição absurda, são as que realmente importam. 

A verdade é que gente grande complica demais o que é fácil, puro e – por que não dizer? – óbvio. Criança quer rir, quer brincar, quer ser feliz. Já o adulto, coitado!, inventa milhões de pretensões, buscas implacáveis e intermináveis pelo sucesso profissional, pessoal, emocional, financeiro e, não, a lista não termina por aqui. É pressão que envolve expectativa demais, ambição demais, pressa demais. Eu pergunto: e a tal da felicidade, afinal, fica onde? Taí, já complicou.

Mas vou te contar um segredo: descomplicar é fácil. Requer apenas que você reserve alguns sábados ou domingos de manhã, e que tenha bastante eu disse bastante! disposição e vontade para brincar com crianças que não são menos crianças por estarem em um ambiente de hospital.

A brinquedoteca do Hemorio é o lugar em que você descobre o potencial de um nariz de palhaço, algumas bolhas de sabão, um “Pula-Macaco”, um baralho de UNO e uma caixa de lápis de cor. É o lugar em que você resgata toda a pureza e simplicidade da vida, ao receber, em troca de uma brincadeira qual quer, simples, o sorriso de uma criança, pleno. Nessas horas é que você realiza como vale o sorriso de uma criança. 

Só lhe confesso uma coisa, que percebi já em minha primeira visita ao Hemorio: tem uma hora que dói e lá vamos nós, adultos, complicar novamente! É a hora de ir embora. Juntar os brinquedos, guardar tudo no colorido armário ornamentado com papel de presente, tirar o nariz de palhaço e colocar o jaleco do Sonhando Juntos na mochila. Essa é a parte mais chata da brincadeira. As crianças ficam tristes (e nós também), algumas choram, outras fazem birra para não comer o almoço. Elas não querem parar de brincar. Nem a gente.

A gente também não quer dar tchau.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Minha primeira atividade no Hemorio


Marcia Kabarite


Quando pensei em participar de um trabalho voluntario no Hemorio, passou pela minha cabeça que talvez eu ficasse muito "mal" em ficar tão próxima de crianças que estavam sofrendo e sentido dor. Fiquei na expectativa de como eu me sentiria e, quando comecei a interagir com elas, tentando me aproximar, percebi que tinham muito mais a me oferecer do que eu a elas.
 
Passei todo o tempo brincando com o Vitor, três anos, nove internações e ainda em tratamento. Vitinho aceitou todas as propostas feitas por mim, embora tenha sido monossilábico enquanto estivemos juntos.
 
Logo no início fiz um carinho nas costas dele e aquela carinha linda olhou pra mim com cara de poucos amigos, fazendo um sinal de “não” com o dedinho, indicando que eu não deveria tocá-lo. Mas passado um tempo que estávamos juntos, já estava batendo a sua mãozinha na minha, comemorando a brincadeira que inventamos com o UNO e batendo palminhas.

Coloriu um desenho; jogou UNO, do jeito dele, mas jogou; brincou com o tabuleiro de pano de futebol; se uniu a duas amiguinhas e brincou de pula-macaco; e, por fim, fez massinha.

Nesse momento a brincadeira foi interrompida, pois Vitinho precisava fazer um teste de alergia do medicamento que tinha que usar. Sua mãe, carinhosamente, o chamou e ele se aninhou no seu colo. Chegaram duas enfermeiras: uma segurou o seu bracinho e a outra aplicou o medicamento com seringa. Vitinho chorou e gritou!

Fiquei surpresa com a rapidez com que ele parou de chorar e voltou a brincar. Foi neste momento que passou pela minha cabeça: como pode uma criança tão pequena ter tanta força e superar tão rápido?
 
Acho que a resposta está na alegria genuína que somente existe no coração das crianças e na imensa e exemplar capacidade de renovação que elas possuem. Vitinho voltou a fazer massinha e quando avisaram que nosso tempo havia acabado, se despediu de mim com um beijo e um abraço!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Um sorriso entre “nãos” e a princesa preciosa


Elisa Ramone
 
Há alguns meses, por diferentes motivos alheios à minha vontade, eu não ia ao Hemorio. Eu já estava morrendo de saudade de brincar com aquelas crianças e sentir tudo o que uma manhã na brinquedoteca me proporciona. Estava um pouco ansiosa também, com a sensação de que o afastamento me fazia desaprender a lidar com aquela situação, porque o Hemorio, para mim, é sempre um desafio. Na verdade, acho que não dá pra “desprender” algo que, antes de tudo, não se aprende, não tem uma fórmula. Porque não importa quantas vezes eu vá, sempre fico com um friozinho na barriga, e não é segredo para ninguém que eu detesto ir a hospital, evito ao máximo encontrar um médico e tenho um pavor de agulha vergonhoso. E eu fui logo me apaixonar por um projeto que me faz visitar crianças nessa situação que eu tanto temo e tentar arrancar delas alguns sorrisos...

Nesse sábado de manhã, eu conheci a Raquelli e rapidamente lembrei o principal motivo de o Hemorio ser tão desafiador: entreter alguém internado ali exige muito improviso e criatividade. A Raquelli se interessou pelas bolinhas de sabão que eu estava soprando, mas estava cansada depois de uma noite quase sem dormir em função dos remédios fortes e logo se cansou de tentar estourar as bolinhas. Então, ela fechou a cara, colocou o “não” na ponta da língua e decidiu que nada seria aceitável sem a mamãe por perto. Nem Pula-Macaco, nem historinha, nem massinha. Nem mudar de lugar para dar espaço para o amiguinho jogar futebol de mesa. Nem dar um desenho dela de presente para o tio Gustavo.

Improviso. Criatividade. O desafio é este: entender cada “não” como uma motivação para pensar em outra possibilidade, ter uma ideia melhor, sugerir uma brincadeira nova. Até arrancar aquele sorriso, que faz valer nosso trabalho como voluntários. E o trabalho valeu mesmo. Depois de um tempo, ela quis pintar um desenho da Ariel, porque gosta muito de princesas, e me cedeu algumas risadas jogando Cara a Cara. Depois o “não” foi definitivo e ela quis voltar para o leito para recuperar o sono perdido da noite. Mas eu já tinha sido vitoriosa, já tinha recebido meu prêmio.

E então, quando eu já me dava por satisfeita com o desafio do dia, eu conheci a Esmeralda. Uma menina linda com nome de pedra preciosa que gosta de fazer pose de princesa para as fotos. A princesa preciosa estava vestindo um pijama de ovelhinhas rosas e eu, imaginando que em uma noite sem sono ela contasse as ovelhas como se contam carneirinhos, perguntei se ela sabia quantas eram. Ela disse que não sabia, mas decidiu contar ali mesmo, porque a questão era muito importante, e eu a ajudei contando as das costas. Resolvi contar cada vez mais rápido como pretexto para fazer cócegas em uma princesa, que me respondeu entre risos: “Ufa, assim cansa, né?” E ela já tinha me conquistado. Ao contrário da Raquelli, para a Esmeralda, tudo era “sim”. Ela decidiu montar um quebra-cabeça e cada peça colocada no lugar certo era uma vitória a ser comemorada. Ela se sentou sobre um cavalinho amarelo, e o banquinho também virou motivo de festa, continuou tentando decifrar o encaixe das pecinhas pulando sobre o alazão de borracha.

Assim, com a Raquelli e a Esmeralda eu me senti muito bem-vinda de volta ao Hemorio. Em um só dia, revi as duas lições que esse voluntariado insistentemente me ensina.

Os “nãos” da primeira me fizeram lembrar o quanto é gratificante ver nosso esforço dar frutos, e os “sins” da segunda me lembraram que a nossa felicidade está dentro da gente. Porque, na minha opinião, o bom humor, que nós tantas vezes encontramos nessas crianças que vivem ainda tão novas o que talvez seja a maior dificuldade de suas vidas, é a felicidade genuína. É a prova de que a felicidade independe de qualquer coisa além de nossa própria vontade. E o alerta para que estejamos atentos para escolher sempre sermos felizes.