segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Alegria



Erika Prochet

Era uma manhã de estreia. Estreia das atividades no Hemorio ao sábados.   

Como sempre, senti aquele friozinho na barriga na hora em que estávamos subindo para a pediatria. Quantas crianças teremos hoje? Será que elas estão animadas para brincar? 

Ao chegar à pediatria, seguimos todas as etapas do nosso ritual: cumprimentar as enfermeiras, buscar informações sobre as crianças e lavar as mãos. O próximo passo foi buscar as nossas principais armas: brinquedos, massinha de modelar, bolinha de sabão e o mais querido entre voluntários e crianças, UNO. 

Agora só faltava acordar a criançada. Para mim, a parte mais difícil do dia.

Ao abrir a porta da enfermaria encontramos um clima calmo, sem muito barulho e, estranhamente, até a TV estava desligada. Mas isso não foi o suficiente para atrapalhar a nossa programação. 

Fomos leito por leito chamando as crianças para brincar. Não foi preciso muito esforço para o primeiro se levantar e nos convidas para brincar. Stephani simplesmente disse:

- Bom dia, nós vamos brincar de que hoje?

- Você é quem decide. Vamos lá para a brinquedoteca?- respondeu a voluntária. 

Em um passe de mágica, Stephani estava de pé, calçando seus chinelos e com a mão no soro falando “Vamos?”

E assim foi com todas as crianças, até aquelas mais abatidas com o tratamento. Eu deveria ter percebido que isso era um sinal de que aquela manhã seria mágica. 

Após algumas partidas de UNO com Stephani e Demmer, resolvi parar e olhar para todas as crianças que estavam na brinquedoteca. Estavam todos sorrindo e brincando. A alegria estava por todo lado. Mas não é assim que deveria ser sempre?

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O primeiro de muitos



Eliza Reymao

Domingo de eleições! Domingo em que a população sai às ruas para exercer mais um de seus direitos e deveres da nossa “democracia obrigatória”. Porém, ao acordar, e antes de ir cumprir o meu dever e direito, fui exercer outro papel como cidadã, este sim, em minha sincera opinião, extremamente gratificante. Aos 26 anos, primeira vez no Hemorio. Pensamento automático ao entrar na sala da enfermaria:  'Por que nunca vim aqui antes?!' Mas enfim, nunca é tarde para começar.

A famosa apreensão de todas as pessoas que começam nesse tipo de trabalho voluntário, principalmente para aquelas que não possuem nenhuma ligação com a área da saúde, sim, bateu por um instante. Entretanto, bastou ver um armário cheio de brinquedos e uma espiadinha naquela sala com as paredes pintadas com desenhos, enquanto lavávamos as mãos, para aquela leve tensão ser derrotada.

Logo no início, uma carinha de sono misturada a um sorriso largo me recebeu! Kauane queria brincar, jogar, falar, desenhar, inclusive presentear a “tia Déia” com seu desenho cheio de borboletas! Pouquíssimo tempo depois, o almoço chega. 'Mas não acabamos de começar?!', pensei. Na verdade já havia se passado duas horas e meia em que eu estava ali, em pé, brincando com ela, admirando as coisas mais simples da vida, como desenhar uma borboleta, sem perceber que estava dentro do 'tão temido hospital'. E para completar, ainda fui indagada pela pequena se eu iria voltar. Neste momento sim o nó na garganta apareceu, não pelo fato de ver as crianças e os seus problemas, mas pelo gesto da Kauane, que me mostrou que naquele dia eu havia conseguido fazer um bem a alguém.

Por fim, todos os pensamentos e sentimentos envolvidos com aquela manhã me remeteram a um pensamento que sempre tento seguir quando algo não está caminhando da maneira como desejamos: Todos os problemas que cabem a nós uma tomada de decisão, não são problemas, são apenas desafios. Problemas são aqueles que não dependem de nossas atitudes para que sejam resolvidos. E mesmo assim, vendo aquelas crianças tão felizes, encontrei mais um aprendizado para esse pensamento: Que até mesmo diante de um real problema é possível ser feliz!

É incrível como um gesto tão fácil, tão simples, que não nos exige esforço nenhum, nos faça tão bem e muito mais a uma pessoinha que até então nem fazia ideia de que você existia!

O Sonhando Juntos é um curso intensivo de vida!
Conclusão do dia: Que foi o primeiro de muitos!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cúmplices


 Gustavo Godoy

“Pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: 
amor no coração e sorriso nos lábios.”
Martin Luther King

Manhã de domingo, frio quase glacial. Depois de quase três meses, sinto novamente o gostinho de ir para o Hemorio. Conforme o tempo vai passando, os voluntários vão chegando, em sua maioria “marinheiros de primeira viagem”, formados na semana anterior, com aquele misto de medo e ansiedade sobre o que iriam encontrar na chegada ao 9º andar. Logo que entramos na pediatria, a primeira surpresa: a brinquedoteca estava fechada para manutenção e teríamos que realizar a atividade na própria enfermaria. Nada que diminuísse a empolgação em passar mais uma manhã com nossos pequenos amigos.

Mãos lavadas, bolsas devidamente acondicionadas na sala de procedimentos, fomos ao que interessava: passar de leito em leito, arregimentando cúmplices para subverter a ordem daquela enfermaria, tão acostumada com um silêncio quase ensurdecedor. Logo de cara, conseguimos o primeiro: Daniel aguardava ansiosamente a chegada dos tios, enquanto acenava de longe. Mesmo numa cadeira de rodas, foi logo se chegando, como se fosse amigo de longa data.

- Quer pintar, Daniel?

- Quero.

- Quer brincar com massinha, Daniel?

- Quero.

- Quer ouvir uma estória, Daniel.

- Quero.

Se Daniel queria tudo, o mesmo não se pode falar dos outros, inicialmente. Dayane só queria ficar no celular. Depois de um processo árduo de convencimento, topou escutar uma estória. E outra. E outra. E outra. E os livros acabaram. “Não tem problema tia, eu tenho o livro do Chapeuzinho Vermelho”. Tudo bem, Dayane, você que manda, vamos de 'Chapeuzinho Vermelho'. No fim, ainda sobrou tempo de uma partida de 'Cara a Cara', só para variar.

Num outro leito, um corpo completamente coberto, apenas o nariz de fora. “Deve estar dormindo, e com muito frio”, pensamos. “Não, ele está com vergonha de vocês, fingindo que dorme” – entregou a mãe. Dito isso, lá fomos nós quebrar o gelo e acabar com a vergonha, vergonha esta que se foi logo no primeiro contato. Depois de um banho, lá veio Lucas, 12 anos, jogar algumas muitas partidas de Uno, com direito a distribuição de diversos castigos, denominação dada na hora para todas as cartas 'compre 2', 'compre 4', 'pule o próximo', que eram dadas uns aos outros.

Observando tudo de longe, Fabrício, muito pequeno, não queria sair do colo da mãe, nem mesmo para brincar com os tios ou com as outras crianças. Foi, no entanto, personagem do ponto alto daquela manhã: ao vir Daniel, aquele que quer tudo, vestido com uma camisa do Flamengo (ok, ninguém é perfeito), desandou a chorar, com direito a soluços. Tudo porque queria vestir uma camisa igual (e eu pensando que era uma crise de “flamengofobia”). Daniel, do alto da sabedoria dos seus seis anos, pediu licença, foi até o seu leito e logo retornou com a camisa do Flamengo nas mãos, para entregá-la ao Fabrício que, imediatamente, parou de chorar. Pois é, Daniel, quem disse que só os adultos podem ensinar às crianças? No domingo, com aquele pequeno gesto, você deu uma lição para todos nós...