quinta-feira, 28 de junho de 2012

As escolhas de cada um



Priscila Figueiredo

Gabriel. Nome de anjo. Arcanjo, na verdade. Significa "homem forte de Deus". O meu primeiro dia como voluntária no Hemorio começou com um Gabriel e terminou com outro. O primeiro encontrei deitado na cama, brincando com o celular. Insisti para que ele levantasse, mas não teve jeito. Fui vencida por um celular.

Saí para a sala de recreação e logo encontrei o outro Gabriel. Esse já chegou chorando. Vi que a tarefa de voluntária em um lugar como o Hemorio era mais difícil do que eu imaginava. Como eu faria com que aquela criança esquecesse do dia-a-dia sofrido, do tratamento dolorido, do aparelho que andava atrás dela como uma sombra e, por um momento, escolhesse ser apenas uma criança e brincar?

Planejava escrever este texto no próprio domingo, depois da atividade no Hemorio, mas, felizmente, Deus segurou minhas mãos. Eu não sabia, mas o momento de escrever era hoje. Hoje perdi uma pessoa muito querida que lutava contra o câncer há algum tempo. Adversário ingrato, que enfraquece a pessoa aos poucos, vai sugando a vida de dentro pra fora, fazendo com que ela se torne um rascunho de si mesma, um desenho borrado do que um dia foi.

Durante todo o dia me perguntei o porquê da existência de uma doença tão terrível. Por que pessoas boas precisam passar por essa provação? Mas algumas dúvidas simplesmente não têm explicação. Essa é uma delas.

O nosso trabalho no Hemorio não vai nos ajudar a encontrar a resposta, mas ajuda cada criança que está ali a vencer a guerra contra o câncer. Infelizmente não levamos a cura, mas proporcionamos sorrisos, diversão e momentos de alegria que mostram que naquele lugar ninguém está disposto a se tornar rascunho.

No domingo, o Gabriel sorriu. E brincou. E inventou histórias. E foi criança. Aquele menino que chorava porque não queria brincar voltou a chorar quando eu disse que tinha que ir embora. Não sei como isso aconteceu, mas, de alguma maneira, consegui que ele deixasse de ser paciente e voltasse a ser um menino de quatro anos que queria colorir um desenho. Antes de sair do prédio, dei uma espiadinha e vi que ele já estava mais calmo, distraído por um outro menino e comendo o que sua mãe lhe dava. Não sei quando vou poder voltar ao Hemorio, mas sei que volto. E o meu "anjo Gabriel" vai estar bem, independentemente do que aconteça. Como seu nome diz, ele é forte, e entre se entregar à doença ou pegar um desenho para colorir, eu não tenho dúvida de qual será sua escolha.

Era exatamente isso que o tio Emílio tinha em comum com o Gabriel: uma alegria inocente, um olhar doce e uma capacidade incrível de achar felicidade, ainda que em meio à dor mais profunda. Eu tenho orgulho deles e de todos aqueles que conheci no Hemorio. Eles tinham o direito de ser tristes, mas escolheram não ser. Graças a eles, eu percebi que o câncer pode maltratar o corpo e não chegar nem perto da alma. Basta sorrir, mesmo que por alguns instantes.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O valor de um sorriso



Rafaela Oliveira

Mais uma manhã de domingo no Hemorio, uma manhã como sempre maravilhosa. Cada ida ao Hemorio gera uma expectativa diferente e aquele friozinho na barriga. Esse não foi diferente. Subimos para encontrar as crianças, muitas estavam dormindo, algumas tomando seu café da manhã e apenas três estavam lá prontas para brincar. Fizemos um grande grupo, resolvemos brincar de dominó, um jogo escolhido pela maioria. Enquanto jogávamos, algumas crianças que antes estavam dormindo foram chegando sonolentas para tomar o café e depois brincar.

Enquanto eu jogava percebi um menino sentado e vendo TV, que não queria brincar com a gente. Então fui lá tentar animar o dia dele. Cheguei, dei um 'oi' e perguntei se ele queria brincar. Sem me olhar ele fez com a cabeça que sim e foi comigo até a mesa. Sentou-se do meu lado e ficou observando seu amiguinho brincando com bolinha de sabão. Perguntei se ele queria brincar de bolinha de sabão e novamente ele balançou a cabeça dizendo que sim. E ficou bastante tempo na bolinha de sabão.

Eu perguntava ao Gabriel se ele queria brincar de algum outro jogo e ele balançava a cabeça negando. Tentei outra vez, agora perguntando se queria desenhar ou brincar de massinha, ele mais uma vez disse que não. Ficou um tempo na bolinha de sabão e de repente quis brincar de massinha. Eu perguntava o que ele estava fazendo, ele não respondia. Perguntei se podia ajudar, ele dizia que não. Dava ideias de coisas para fazer com massinha e ele não aceitava, estava muito concentrado nos seus bonecos. Perguntei o nome deles, ele disse que eles não teriam nome e então perguntei o porquê e ele respondeu: porque não.

Fiquei então observando ele fazendo os bonecos. Sério, não falava muito. Quando acabou, perguntei o que ele queria fazer, dei opções de brincadeiras e ele não queria fazer nada. Então pegou os bonecos feitos de massinha e começou a amassar, fazendo dos bonecos várias bolas. Dessa vez perguntei se podia ajudar e ele disse que sim. As bolas ficaram em cima da mesa, então o Gabriel me olhou e perguntou: Tia, será que a gente consegue juntar essas bolas e fazer uma bola beeem grande? Eu disse que ia tentar e comecei a juntar as bolas. Ele ficou olhando e, quando acabei, um lindo sorriso surgiu no rosto do Gabriel: Viu tia, conseguimos!

Eu ganhei a minha manhã com aquele sorriso. Sai de lá com a sensação de missão cumprida, pois consegui ver o Gabriel feliz e radiante.

Cada ida ao Hemorio é uma experiência diferente e especial. Esse dia vai ficar marcado pra sempre.

”O sorriso de uma criança não é algo que se constrói. Não pode ser vendido. Não tem receita. Não tem marca. Não tem bula. Não tem selo. Não tem etiqueta. Portanto, não é falso. Ele é genuinamente verdadeiro.”

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O primeiro de muitos



Luiza Ferreira

Esse domingo foi meu primeiro dia no Hemorio. Imagino que muitos fiquem apreensivos como eu, principalmente na hora da chegada, vendo aquelas crianças lindas que não deviam estar lá. Chegamos muito cedo e, por isso, eles foram aos poucos acordando. O Júlio na mesma hora pulou da cama querendo brincar e bastante animado. Tão bom ver essa animação!

Um dos nossos objetivos é tentar fazer com que eles esqueçam um pouco de onde estão e se divirtam por algumas horinhas da manhã. O que aconteceu foi que eu esqueci onde estava, me divertindo e voltando à infância com as crianças mais doces que havia, querendo brincar, desenhar e fazer bolinha de sabão.

No fim da contas eu sai de lá muito mais feliz e leve do que eu entrei, o tempo voou e, quando vi, já era hora de ir embora. E nessa hora uma notícia boa: o Júlio teve alta!

Espero que quando eu voltar, todos tenham tido alta. Mas se nao tiverem, ficarei muito feliz de passar mais uma manhã de domingo com essas crianças tão especiais e queridas por nós.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Histórias para contar e para ouvir



Rosangela Andrade   

Como sempre, os domingos no Hemorio geram uma expectativa. Nunca sabemos quantas crianças estarão aptas para brincar e se reencontraremos aquelas que já conhecemos

O último domingo não foi diferente! Encontramos uma preguiça geral, também com esse friozinho! E poucas crianças desejaram brincar conosco.

Dentre as poucas que vieram, tive a oportunidade de poder fazer algumas atividades com o Felipe, criança tagarela, espontânea e, dentro das possibilidades, até Feliz.

Dentro das atividades efetuadas, a que mais o Felipe se identificou foi a leitura de historinhas. Além de prestar bastante atenção na história, era totalmente participativo. Aproveitando os fatos do livro que estavam sendo contados, refazia a história com fatos de seu cotidiano. Felipe demonstrou morar em uma comunidade onde a presença de pessoas armadas, a polícia, e a palavra ‘matar’ fazem parte de seu cotidiano.

Infelizmente não podemos mudar a realidade dessas crianças, faz parte de nosso objetivo passar para elas conceitos positivos e corretos, aproveitando as oportunidades e dando toda atenção, amor e felicidade, mesmo que por poucos minutos, para que ela se esqueça da dor, de onde está e do que tem.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O menino Jonas e o seu Jacaré



Lívia del Porto

Numa manhã de domingo nublado e chuvoso, numa cidade quieta e vazia por se tratar de feriado prolongado, nos deparamos com a batalha de espantar a preguiça e ir para mais uma tarefa do Sonhando Juntos.

Após os básicos procedimentos de identificação, subida e higiene, percebemos que as crianças também se encontravam na mesma preguicinha. Vindas de uma noite de sono, friozinho debaixo do cobertor, e nem o cheiro do café as fez levantar de seus leitos.

Com a chegada dos jovens de jaleco colorido, eles são aos poucos convencidos de se levantar e brincar. Uns mais fáceis, outros mais resistentes, alguns preferem tomar um banho antes... Enfim, começamos a colocar a mão na massa e a saber quem seriam nossos companheiros naquela manhã.

Como de costume, fui dar um bom dia a todos em seus leitos. Neste caminhar conheci o Jonas Anderson, de 13 anos, que não queria brincar, a princípio. Ele voltava para seu leito depois de tomar o café da manhã. Na hora, percebi que seria um desafio convencê-lo a fazer alguma coisa. Primeiro porque nessa idade eles só fazem o que realmente querem; segundo porque eu achava que tinha habilidades apenas para as crianças menores; e terceiro porque ele estava bemmm cansado, em consequência das últimas sessões de quimioterapia, como me contou sua mãe.

Pois são nessas manhãs que nossas certezas e medos são colocados à prova. E mais uma vez voluntário vira aprendiz das crianças na pediatria do Hemorio.

Nossa primeira brincadeira foi o dominó. Umas cinco partidas rápidas e eu pensei que ele já ficaria satisfeito e fosse querer dormir novamente. Perguntei então se ele queria fazer uma dobradura de papel e Jonas surpreendentemente topou. Ao folhearmos o manual explicativo, mostrando todas as possibilidades, Jonas não teve dúvidas: “Quero fazer o jacaré!”

O passo-a-passo já era por si só bem complexo, mas fomos indo... pouco a pouco... superando as dificuldades de cortar, colar e dobrar com a mão esquerda (devido aos medicamentos estarem presos a mão direita). Aos poucos os papéis verde e amarelo foram dando o formato do corpo, da cauda, depois das patas e, por fim, fizemos os olhos e a grande boca cheia de dentes.

Levamos mais de uma hora nessa atividade, mas o resultado valeu a pena. Deixou o menino orgulhoso da sua obra prima! Ele prometeu guardar o jacaré em sua casa, em Petrópolis, junto às árvores de tangerina e laranja do seu quintal.

Missão cumprida, objetivo alcançado. Com a técnica milenar japonesa fizemos arte com papel, resgatando a alegria e a disposição do Jonas nesta manhã. Seus vizinhos da pediatria também queriam conhecer o jacaré, que ficou famoso naquele andar e recebeu algumas visitas, posou para fotos e depois foi descansar.

Valeu Jonas! Que bom que eu estive hoje aqui para aprender com você!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um sorriso pode mudar tudo


Cecília Sampaio

Qual não foi minha surpresa ao ver as meninas sentando-se nas cadeiras, tão tímidas, mas já pegando cada uma os seus livros escolhidos e começando a leitura.

A atividade "Contadores de histórias" ficou um pouco sem sentido pra mim. Não precisei contar nada, nem mesmo qual seria a atividade! Os livros estavam ali, disponíveis nas mesas. Mas não faz sentido para crianças de sete a 10 anos ter alguém para fazer por elas as coisas que elas já fazem tão bem. E a leitura fluiu. Silenciosa. Barulhos apenas dentro daquelas cabecinhas, e da minha também, lendo as histórias desconhecidas, vendo as figuras coloridas. Todas muito compenetradas e sérias. Estranhei demais.

Eu estava agoniada, querendo mais. Eu queria bagunça! Sentar-me no chão, sujar os dedos de tinta, amassar a massinha. A criança ali era quem mesmo?

Com o tempo, conforme a leitura fluia, me acalmei. Junto à Sarah, terminei a leitura de um livro que contava a história de uma menina que, ao perceber uma cidade muito barulhenta, briguenta e cinzenta, dá uma oportunidade à reflexão, sozinha, silenciosa e então chega à conclusão de que apenas um sorriso pode mudar tudo isso, transformando aquela cidade em uma FelizCidade!

Ao meu comando, desenhos foram feitos. Ai sim, começou uma baguncinha. Oba! Folhas de papel pra cá, lápis pra lá, comentários daqui, e tudo voltou ´ao normal` de uma atividade na Casa de Apoio. Sorrisos, risadas, enfim uma gargalhada. E barulho! Como é bom conversar com essas crianças. Ouvi-las reproduzindo as histórias que acabaram de conhecer, dando ênfase às partes que mais gostaram, e ver nelas o prazer de desenhar, de colocar no papel aquele sorriso que conseguiu transformar uma cidade inteira, e o nosso dia também.