quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mais uma manhã de magia



Natália Andrade

E chegamos ao Hemorio. Estamos sonolentos ainda e as crianças também. Os pequenos respondem com certa desanimação à pergunta: “Quem quer brincar hoje?”. As vozes baixinhas respondem: “Eeeu”, ou apenas levantam os dedinhos.

Então chegamos devagarzinho, de mansinho, ganhando espaço aos poucos, perguntando nome, idade, e cada voluntário vai se juntando com seu “melhor amigo por uma manhã”. Pois bem, minha pequena amiga se chama Sabrina e, para aquecer, ela quis pintar um desenho de princesa. Enquanto isso, conversávamos...

- O que tem pra fazer tia?

- Ah, a gente pode pintar, desenhar, fazer os deveres desse livrinho, jogar joguinhos, brincar de massinha, ler uma história, fazer bolinha de sabão...

- Nossa, vocês trouxeram tudo isso pra cá?

- Sim.

- Então vocês são mágicos né?

- Hummm, talvez.

- Hahaha, aposto que sim, igual nos desenhos!

Uma simples pergunta me colocou a pensar... Será que não temos dentro de nós um pouco de mágicos?

As carinhas que há um instante estavam apáticas começam a tomar forma de sorrisos e gargalhadas, as vozes baixinhas começam a falar cada vez mais alto, fazendo perguntas, tagarelando sobre qualquer coisa. Os olhinhos agora se parecem com estrelinhas, de tão brilhantes, e neles se reflete a bolinha de sabão, a famosa e mais querida bolinha de sabão. As mamães e papais que sofrem por ver seus pequenos tesouros debilitados, agora se assemelham a eles. Sentam-se no chão, desenham, fazem uma pizza de massinha, se concentram no Uno e sorriem! Será que não existe um pouco de magia nisso tudo?

E o desenho da princesa foi só pra aquecer mesmo. Eu e Sabrina jogamos cara-a-cara, fizemos dever (Sabrina é muito inteligente, fez continhas, caça palavras, palavras cruzadas e escreveu seu nome em cada dever), fizemos bolinha de sabão, jogamos Uno com os outros amiguinhos, brincamos de massinha e jogo da memória! Tudo no maior pique!

Muita gente me pergunta e se pergunta onde está Deus em tanto sofrimento no mundo. Pois eu já me respondi e respondo pra quem quiser: Deus está aí, em cada sorriso, em cada par de olhos brilhantes cheios de esperança, em cada abraço, em cada: “Ah tia já vai embora?”, em cada plano que essas crianças fazem para o futuro. Deus É essa “magia” e está presente o tempo todo, na nossa capacidade de amar, de sonhar, e olhar pra aquelas crianças não como crianças doentes, mas simplesmente crianças!!! Crianças como todas as outras do mundo que adoram imaginar, brincar, fazer uma bagunça... Crianças que têm sonhos não menos importantes que os dos adultos e que merecem ser realizados.


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pássaros foram feitos para voar



Rafael Peclat

Lá estava eu mais um sábado à noite programando meu celular pra tocar às 7 da manhã no domingo.  Foi uma noite curta. Um minuto antes a responsabilidade me acordou. A cama me disse “FICA!”, a coberta me enroscou, os olhos pesaram, mas o coração gritava “LEVANTA, ELES ESTÃO TE ESPERANDO!”. Eu não tinha escolha. Lutei contra o tempo, só para não ter que ouvir aquela triste musiquinha do despertador tocar. Desativei o alerta e corri para o banho.  Estava preparado pra mais uma manhã de atividade no Hemorio. Será?

Na porta do hospital estavam meus queridos amigos de batalha, vestidos com os jalecos e o sorriso estampado no rosto.  Vamos à luta! 12 crianças na pediatria. Armem-se com criatividade, munam-se com alegria! Vamos convocar nossos guerreiros para a sala de recreação!

Logo eu estava no pé da cama de um deles, com minha pasta e caixas de brinquedos equilibradas no braço, fazendo as perguntas-chave:

-Bom dia! Como é o nome desse rapaz , mamãe?

-Daniel.

-Hmmm... Quantos aninhos?

- Quatro anos.

-E ae Daniel! Quer brincar? Tem um monte de jogos maneiros, desenhos...

-Ele não pode sair daqui. Na verdade não pode nem ficar sentado, só deitado.

Nesse momento Daniel já estava bem acordado. A cabeça balançando e os olhos diziam “Sim, eu quero tudo!”.

- Não tem problema, se puder eu fico aqui com vocês! Você quer que eu fique Daniel?

- Quelo!

Era só o que eu precisava ouvir! Rapidamente fui buscar os livrinhos, que até então eu não tinha usado. Voltei com as mãos cheias de várias histórias incríveis de animais falantes, cantores e festeiros, loucos o suficiente para tornar a fantasia completa.  Mas em uma das histórias Daniel se mostrava realmente curioso. A história do papagaio que viu seus amigos serem presos em gaiolas.

- Pu que?

- Eles queriam aprisioná-los na gaiola!

- Pu que?

- Queriam vendê-los!  Que triste, não é Dani? Passarinhos foram feitos pra voar! Não podem prendê-los. Temos que deixá-los livres! Não acha?

-É!

- Vamos ajudá-los! Vamos chamar os outros animais para soltá-los!

Me lembrei dos quadrinhos mágicos que comprei.  Um livrinho genial, que basta  colocar um filme transparente listrado na frente da imagem que os animais ganham vida. A cada movimento Daniel parecia descobrir uma nova paixão.  Apertava o livro cada vez mais forte. Queria mais movimento, mais velocidade, mais ação! Descobri que o macaco era um de seus favoritos.

- Você já viu um macaco de perto Dani? Não? Dani já foi ao zoológico, mamãe? Não?


Minha mente já estava borbulhando de ideias. Mas tinha acabado de dizer que pássaros têm que ficar soltos. Como Dani iria ver tantos animais em jaulas? De repente o ouvi dizer com convicção:

-Eu quelo! Quelo í!

Aí o coração apertou. Não poderia prometer nada. “Vou te levar!” estava escapando pela boca, mas tive que engolir e substituir por um sorriso.

-Já sei! Tive uma ideia! Bolinhas de sabão! Vou fazer um monte e você vai estourando com o dedinho, beleza?!

O sorriso já disse tudo. Eu fiquei sem fôlego de tanto assoprar bolinhas, mas Daniel queria cada vez mais. De repente já estava na hora de ir embora. Fui recolhendo de leve todos os livros, cartinhas e assoprando as últimas bolinhas.  Junior, o colega da cama ao lado que já estava ligado me disse:

- Ih cara! Acho que te deixaram pra trás! Vai lá! Hahahaha

Eu já estava saindo quando ouvi a mãe de Daniel me dizer sorrindo “Olha, ele tá chorando!”. Quando olhei, vi Daniel com as mãos nos olhos, a boca aberta e as lágrimas caindo. É claro que eu quase fiz o mesmo. Mas segurei o choro.

-Dani, eu preciso ir agora, mas oh... não fica triste não... pensa nos passarinhos!

Pois é Dani. Bem que eu queria leva-lo junto, mas eu não posso te prender comigo. Pássaros foram feitos pra voar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Saudades do Brasil



Larissa Matos Lima

“Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”… as crianças que aqui beijam e abraçam, não beijam e abraçam como lá.

Depois de 10 meses em Sydney – Austrália, morando e vivendo a cultura australiana, posso dizer que senti uma falta, uma ausência enorme do Brasil. E quando falo em Brasil, não me refiro às barreiras geográficas e políticas, mas sim do que este país representa para mim. Família, amigos, comida, abraços, carinho, compaixão, aproximação, toque, troca, amor… Eu amo o Sonhando Juntos e tenho muito orgulho do trabalho que fazem e de ter feito parte disso tudo. Cada toque, cada momento, cada carinho, cada palavra, cada sonho marcam a gente de uma forma única e inesquecível. Eu tentei fazer trabalho voluntario em Sydney, mas é tanta burocracia, dar amor gratuitamente e livremente precisa estar adequado a leis e estatutos. Ah, que falta me fez o amar incondicional do Brasil. Por isso mesmo a oportunidade de ir novamente à Casa de Apoio, ver meus pequenos, abraçá-los, beijá-los, senti-los e ouvir aquele “tia”, mesmo não sendo nada da família, foi a uma das coisas mais especiais que aconteceu na minha ida ao Brasil.

Ver cada rostinho mais uma vez, sentir-se importante e especial, ainda que seja cheia de balões na cabeça, ler mais um livrinho com atenção total das crianças, andar de mãos dadas, trocar um sorriso… Isso é imensurável. A vida é feita de laços, e esses permanecem, seja lá a distância que for. E tudo o que eu vivi e todas as crianças que conheci ficaram para sempre comigo.

É muito difícil explicar o quanto esse dia foi mágico para mim, o quanto estar lá foi especial. Acho que se o sonho de uma criançaa foi realizado naquele dia, com toda a certeza do mundo a criança escolhida fui eu. Obrigada Sonhando Juntos por realizar esse sonho, por me dar a honra, o prazer e a alegria de estar mais uma vez no meio de tanto amor, dedicação, alegria e carinho. Obrigada por me dar a chance de dar o meu amor, assim, na forma mais natural e viva do sentimento. Em cada sorriso, em cada abraço, recarrego as minhas energias para continuar seguindo e acreditando que sonhar junto, aqui ou na Austrália, sempre é possível.