domingo, 22 de maio de 2011

Mais que um desejo

Mariana Bueno

“Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil 
outros garotos. Mas, se tu me cativas, serás para mim único no mundo.”
(Antoine de Saint-Exupéry)
 
Provavelmente eu já o conhecia, já o tinha visto em outras atividades. Mas são tantas crianças, tanta gente, tantos acontecimentos e afazeres que, confesso, ele tinha me passado batido. Até o dia em que descobri seu nome. Levei-o até seu xará, apresentei os dois e tirei uma foto deles, a dupla do plural rock n’ roll. Fiquei mexida com seu jeito quieto, de quem não estava se divertindo. Pura timidez.

Foi pouco tempo depois disso que li num dos relatórios a informação de que ele adorava assistir a filmes, mas que nunca tinha ido ao cinema. Não dá para dizer que era um sonho. Mas era um desejo, tão pequeno aos nossos olhos já viciados na telona, mas certamente grandioso para quem nunca teve essa chance. 

O passo seguinte, antes de começarmos o planejamento, foi o contato para saber suas condições de saúde. Ele não estava bem. Ia se internar novamente, começar um novo tratamento ou algo assim. É, frustrações fazem parte, ainda que não saibamos como lidar com elas.

Depois de algum tempo sem notícias o vi novamente, na festa do Dia da Criança. Quietinho, na dele, distante... Tão diferente das outras crianças! Esboçou um sorriso quando perguntei se ele gostaria de ir ao cinema com os amigos do SJ. A tal alegria para dentro, que viria a ser definida por seu xará tempos depois.

Minha empolgação durou pouco e foi novamente interrompida por internações. Dessa vez era mais sério e parecia interminável. As raras notícias eram cada vez mais desanimadoras. Eu tinha muito, mas muito medo de que seu pequeno grande sonho não chegasse a ser realizado. Até que o vi novamente. Com os olhos, sorriu de longe para mim. Rompi os protocolos, esqueci qualquer princípio básico de educação, por alguns segundos fiquei alheia a tudo o que acontecia em volta e corri para abraçá-lo. Tão magro, tão frágil.

O planejamento do sonho foi retomado em caráter de urgência. Tinha que acontecer! E tinha que ser logo, antes que houvesse uma recaída. Foi quase uma corrida contra o tempo. Tentativas, sem sucesso, de fazer algo exclusivo, perfeito, ideal. Qual a nossa dificuldade em entender que o ideal é simplesmente fazer com que o sonho aconteça?

Não me lembro de, em outros sonhos, ter ficado tão nervosa quanto neste. A gente tinha que conseguir! E conseguimos. Ele bem mais magro e bem mais fraco, ainda que só duas semanas tivessem se passado. Ele, tão forte e guerreiro, ainda que se alimentando apenas por sonda e sentindo dores inimagináveis. Ele, aos 12 anos, tão maduro ao lidar com sua doença e suas limitações. Ele e seu sorriso contido, ainda que estivesse explodindo de felicidade por dentro. Ele e sua aparente indiferença ao entrar pela primeira vez numa sala de cinema. É, a gente sempre espera empolgação, sorrisos, abraços, agradecimentos, festa, fotos... Novamente nossa dificuldade em entender que as coisas não precisam ser ditas ou demonstradas. Basta que sejam sentidas. 

Era o sonho mais simples, mas foi o mais complicado para acontecer. O que teve a menor duração, mas que vai deixar as maiores marcas. Era o que eu estava aparentemente mais contida mas, de longe, o que mais mexeu comigo. Foi a realização de sonho mais triste. E talvez, exatamente por isso, tenha sido a mais feliz!





12 comentários:

  1. E talvez, exatamente por isso, tenha sido a mais feliz!


    Então, uma frase de Guimarães Rosa: felicidade se acha em horinhas de descuido.

    Estive por aqui direto de BH.

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  2. Mari, vc arrasou! O texto ficou lindo... E passa a emoção para todos nós!

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  3. Mariana!
    O texto ficou lindo e de uma sensibilidade e emoção sem tamanho!
    Eu que não pude ir,consegui absorver através dos seus "olhos" tudo o que foi a realização desse sonho tão especial.
    Parabéns

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  4. Muitoo bom Marii!!

    Parabéns!!

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  5. "É, a gente sempre espera empolgação, sorrisos, abraços, agradecimentos, festa, fotos... Novamente nossa dificuldade em entender que as coisas não precisam ser ditas ou demonstradas. Basta que sejam sentidas..."

    A melhor parte do texto,pra mim.
    Muito bom.

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  6. Ficou muito bom o texto!
    Lindo demais Mari!
    O sonho do Ramon foi o primeiro que participei e com certeza vai ficar marcado por todas essas coisas que você falou!

    Parabéns pelo texto!

    =)

    Beijos

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  7. Estava mesmo faltando um texto seu aqui, Mari! Emocionante, tocante... show de bola, viu!!

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  8. Mari, acho que seu texto não poderia resumir de forma mais precisa e delicada, o que foi o sonho do nosso querido Ramonzito.
    Nem preciso dizer que chorei horrores, né?
    Ahhh, e faço minhas as suas palavras:

    "É, a gente sempre espera empolgação, sorrisos, abraços, agradecimentos, festa, fotos... Novamente nossa dificuldade em entender que as coisas não precisam ser ditas ou demonstradas. Basta que sejam sentidas."

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  9. Cadê o botão "curtir"??

    Curtir o post lindo, curtir o resultado desse trabalho bacana, curtir os comentários...

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  10. Mariiii....Parabéns!!! Lindo, Sonhando Juntos também inspira!!! Continue assim. Ficou demais.
    beijos

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  11. Mari, ficou muito bom o texto, muito mesmo.

    " É, a gente sempre espera empolgação, sorrisos, abraços, agradecimentos, festa, fotos... Novamente nossa dificuldade em entender que as coisas não precisam ser ditas ou demonstradas. Basta que sejam sentidas."

    Acho que ai você já descreveu tudo =)
    Parabéns pelo texto Mari, bem que você poderia escrever mais vezes por aqui.

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