quarta-feira, 6 de julho de 2011

Jonathan


Mariana Bueno








Ele chegou com a timidez inicial que quase todos têm e, antes mesmo de dizer o nome ou saber o meu, disse: “Tia, é só hoje que a gente vai ficar aqui? A gente vai ter que ir embora?”. Pronto, eu já era outra pessoa. Sono? Cansaço? Preguiça? Não, eu não sabia mais o que era isso.


Pegou um bolinho e devorou antes mesmo de sentarmos à mesa. Outros amigos chegaram com suas crianças, fizemos um lanche coletivo, aproveitando para nos conhecermos melhor. Depois, como é natural, todo mundo se espalhou e foi aproveitar o dia. Ele olhava deslumbrado para todo aquele espaço verde cheio de brinquedos e não sabia por onde começar.


No decorrer da festa eu parava rapidamente cada vez que encontrava um conhecido. Queria muito ter podido conversar, saber o que estavam achando, matar as saudades dos que eu já não via há um certo tempo, conhecer melhor os que se apresentavam a mim pela primeira vez. Não consegui nada disso. Falava um oi, tirava uma foto, e seguia em frente. Eu era dele. Só dele! Dele, que vive com tanta gente em volta, mas não tem ninguém. O pai, presidiário. A mãe, que ainda não tem 25 anos completos, foi morar com outro homem. Ele ficou, junto com outros três irmãos mais novos e dois ou três primos. Todos dividindo um quarto com duas camas na casa da avó, faxineira.


Conversei com uma das funcionárias da instituição da qual ele faz parte, que contou que ele é o xodó de todos por lá e que algumas vezes as professoras o levam para dormir em suas casas quando ninguém da família vai buscá-lo. Contou também que ele diz sempre que “apesar de tudo na vida, é um menino feliz”. Quer ser advogado quando crescer e olhava com admiração para o voluntário advogado que eu apresentei a ele. Disse que gostava de ler, mas que não era estudioso sempre. Se divertiu na cama elástica, no pula-pula, na piscina de bolinhas, arrasou pulando corda, jogou futebol, correu, plantou bananeira, brincou de pescaria, bola na lata, bola na boca do palhaço, adorou os brindes que ganhou. Sabia que lixo tinha que ser jogado na lixeira, não no chão, e aprendeu que não se pode furar fila. Era desinibido, inquieto, educado, curioso e maduro para os seus 10 anos. Conversava como adulto. Riu do meu time, riu da minha falta de mira nas cobranças de pênalti, riu do meu medo dos mosquitos e até do meu cabelo liso que as fitinhas não conseguiam segurar. O tempo todo ele queria comer. E gostou do suco de pêssego, que nunca tinha tomado.


Quando a hora de ir embora se aproximava, tudo que ele mais queria era continuar ali e aproveitar aqueles últimos minutos. Ao mesmo tempo, tinha medo que o ônibus fosse embora e ele ficasse para trás. Eu expliquei que seriam chamados pela cor da camisa, que havia uma lista de nomes, que iriam conferir se não faltava ninguém. “Mas se todos forem embora e me esquecerem aqui, pelo menos eu vou ficar com você, né tia?”

5 comentários:

  1. Oi Mari,
    Já li umas três vezes e além de você escrever muito bem, você passou nestas linhas exatamente como foi seu dia. Fiquei emocionada!
    Nos encontramos realmente por 5 minutos na fila da boca do palhaço e tiramos uma foto, pois você realmente era só dele!rs
    Essa festa e o contato com essas vidas, realmente mudam: Nossos dias, nossos valores e nos faz pensar que nossos problemas e a falta de algo são tão pequenos quanto a um Pai, presidiário e a Mãe, com menos de 25 anos completos e etc...
    Obrigada pela dedicação e compromisso com o SJ e a nós voluntários! Como já escrevi esta semana, sou muito feliz por fazer parte desta equipe!
    Com carinho.
    Beijo =)

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  2. Muito bom Mari!

    OBS: Eu também ri muito da sua falta de mira nas cobranças de penalti! hahaha

    Foi um dia sensacional!

    Beijos!

    Renan

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  3. E se arrependimento matasse? Nem sei...

    PARABÉNS a vocês todos! Muito e cada vez mais!
    pelo dia, pela garra, por tudo!

    Beijo gigante!

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  4. Mari, obrigada por me fazer acreditar!
    beijo enorme!

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  5. Assim como o Jonathan, o "meu" Pablo também não tem uma vida bacana: pai morreu, um irmão também. Mora com a mãe, vááários outros irmãos e um padrasto. A irmã vive batendo nele e eu perguntei: "Mas você apronta?" Ele: não tia, eu sou quieto!

    E realmente era. Mas você acha que por isso ele é revoltado, mal educado? Nem pensar! Sabe sua coisa preferida? Fazer contas de multiplicar! Ele disse que nem gosta muito de brincar e me pediu um papel e caneta pra gente fazer contas! É mole? No meio de um tanto de brinquedo ele preferiu a matemática.

    Obviamente ele deixou as contas de lado um pouquinho, pulou, correu, jogou bola e me fez dar cambalhota na grama (há SÉCULOS eu não dava camballhota!)

    Nada é mais prazeroso do que ouvir o pequeno perguntar: Tia, amanhã a gente pode vir aqui de novo? E eu vou te ver? Nessa hora, tudo, tudo, tudo vale muito a pena. Uma gratidão sem tamanho por esses momentos, uma raiva absurda de quem tem coragem de fazer mal a um pequeno tão educado, inteligente e simpático (só não sorria muito porque estava banguelinha! hahaha!).

    Não nos sentimos melhores do que ninguém por fazer uma criança feliz por algumas horas. Não é "fazer tipo", não tem orgulho aí. Nada nos move, a não ser o amor. O amor de Deus, soberano, ágape. E o amor pelo próximo, que Ele mesmo nos deu. E, no final das contas, Deus é tão bom que ao darmos um pouquinho, recebemos muuuuuito mais!

    Que esse amor nos mova pra mais longe. Se cada um doar um tiquinho, vocês não avaliam aonde podemos ir! :)

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