quarta-feira, 4 de julho de 2012

Anjos por algumas horas



Carina Endo

Aguardei ansiosa a chegada do meu primeiro dia de visitas no Hemorio, com aquele frio na barriga e aquela apreensão por não ter ideia do que me esperava naquela manhã. Depois dos procedimentos higiênicos fomos aos pouquinhos acordando as crianças, dando o nosso bom dia com um sorriso gigante e todas estavam tímidas. No primeiro leito falamos com o Uendel, que não nos disse uma só palavra, apenas mostrou a língua quando uma de nós perguntou: “O gato comeu a sua língua? Mostra pra eu ver se ela está aí!” Então resolvemos esperá-lo na salinha de recreação. 

Depois tive a sorte de conhecer o Gabriel (6 anos) e a mãe incrível dele, que desde que eu entrei já falou: “Iiih filho, olha quem entrou, uma japonesa gata com brinco no nariz, vira pra ver como ela é linda!” Ele ficava escondidinho debaixo das cobertas e dava uma risada muito gostosa toda vez que eu falava alguma coisa para estimulá-lo a brincar e fazia cosquinhas nele. Em seguida fui falar com outro Gabriel (4 anos), um pouco mais novo que o anterior. Ele me olhou com uma carinha de desconfiado. Pedi para irmos brincar, mas ele fazia que não com o rostinho. Comecei a fazer perguntas de apresentação mesmo e ele foi aos poucos me respondendo e criando confiança. Começou a me contar algumas coisas e até a me desafiar falando: “Me pega e me leva pra lá então que eu quero ver! Duvido você me levantar!”

Finalmente consegui animar aquele baixinho lindo que, apesar de tudo, me presenteou com muitos sorrisos. O garotinho que inicialmente não queria brincar começou a brigar com a mãe, dizendo que queria brincar comigo logo, não queria tomar café e nem tomar banho! Mas com a minha ajuda acabou obedecendo à mãe.

Fomos então para a salinha começar a brincar. Uendel, que foi o primeiro garotinho com quem falamos e estava sempre com um olhar baixo e triste, alguns minutos depois começou a brincar de futebol de mesa com o avô e um voluntário e disse a primeira frase: “Goooool! Eu consegui só porque o meu avô me ajudou, você viu?” Com um sorriso lindo, olhei aquilo de longe e me trouxe uma felicidade inexplicável.

Fiquei brincando com o Gabriel (6 anos), desenhando, ouvindo as histórias engraçadas dele, vendo o quanto ele era criativo inventando brincadeiras e, apesar de estar passando por aquilo tudo, me mostrou ser uma criança feliz, ria o tempo todo. E tinha do lado dele sempre um anjo, uma mãe surpreendente que soltava piadas toda vez que falava, tentando passar alegria paro filho a cada frase. Sem saber, ela me preencheu de alegria também. Infelizmente o almoço chegou mais cedo e o Gabriel mais novo nem pode brincar com a gente.

Esse dia foi mais que especial porque conseguimos levar um pouco de distração por algumas horas e fomos pagos com sorrisos lindos. Saí de lá com uma felicidade enorme dentro de mim mas, ao mesmo tempo, triste por ter que ir embora tão cedo. Cada um deles passou a fazer parte das minhas orações, esse dia ficou marcado pra sempre.

Que cada um possa se doar completamente pra que por alguns instantes se tornem anjos pra cada criança como a que o Gabriel tem todos os dias.

“A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração.” (Madre Teresa de Calcutá)

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