quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pássaros foram feitos para voar



Rafael Peclat

Lá estava eu mais um sábado à noite programando meu celular pra tocar às 7 da manhã no domingo.  Foi uma noite curta. Um minuto antes a responsabilidade me acordou. A cama me disse “FICA!”, a coberta me enroscou, os olhos pesaram, mas o coração gritava “LEVANTA, ELES ESTÃO TE ESPERANDO!”. Eu não tinha escolha. Lutei contra o tempo, só para não ter que ouvir aquela triste musiquinha do despertador tocar. Desativei o alerta e corri para o banho.  Estava preparado pra mais uma manhã de atividade no Hemorio. Será?

Na porta do hospital estavam meus queridos amigos de batalha, vestidos com os jalecos e o sorriso estampado no rosto.  Vamos à luta! 12 crianças na pediatria. Armem-se com criatividade, munam-se com alegria! Vamos convocar nossos guerreiros para a sala de recreação!

Logo eu estava no pé da cama de um deles, com minha pasta e caixas de brinquedos equilibradas no braço, fazendo as perguntas-chave:

-Bom dia! Como é o nome desse rapaz , mamãe?

-Daniel.

-Hmmm... Quantos aninhos?

- Quatro anos.

-E ae Daniel! Quer brincar? Tem um monte de jogos maneiros, desenhos...

-Ele não pode sair daqui. Na verdade não pode nem ficar sentado, só deitado.

Nesse momento Daniel já estava bem acordado. A cabeça balançando e os olhos diziam “Sim, eu quero tudo!”.

- Não tem problema, se puder eu fico aqui com vocês! Você quer que eu fique Daniel?

- Quelo!

Era só o que eu precisava ouvir! Rapidamente fui buscar os livrinhos, que até então eu não tinha usado. Voltei com as mãos cheias de várias histórias incríveis de animais falantes, cantores e festeiros, loucos o suficiente para tornar a fantasia completa.  Mas em uma das histórias Daniel se mostrava realmente curioso. A história do papagaio que viu seus amigos serem presos em gaiolas.

- Pu que?

- Eles queriam aprisioná-los na gaiola!

- Pu que?

- Queriam vendê-los!  Que triste, não é Dani? Passarinhos foram feitos pra voar! Não podem prendê-los. Temos que deixá-los livres! Não acha?

-É!

- Vamos ajudá-los! Vamos chamar os outros animais para soltá-los!

Me lembrei dos quadrinhos mágicos que comprei.  Um livrinho genial, que basta  colocar um filme transparente listrado na frente da imagem que os animais ganham vida. A cada movimento Daniel parecia descobrir uma nova paixão.  Apertava o livro cada vez mais forte. Queria mais movimento, mais velocidade, mais ação! Descobri que o macaco era um de seus favoritos.

- Você já viu um macaco de perto Dani? Não? Dani já foi ao zoológico, mamãe? Não?


Minha mente já estava borbulhando de ideias. Mas tinha acabado de dizer que pássaros têm que ficar soltos. Como Dani iria ver tantos animais em jaulas? De repente o ouvi dizer com convicção:

-Eu quelo! Quelo í!

Aí o coração apertou. Não poderia prometer nada. “Vou te levar!” estava escapando pela boca, mas tive que engolir e substituir por um sorriso.

-Já sei! Tive uma ideia! Bolinhas de sabão! Vou fazer um monte e você vai estourando com o dedinho, beleza?!

O sorriso já disse tudo. Eu fiquei sem fôlego de tanto assoprar bolinhas, mas Daniel queria cada vez mais. De repente já estava na hora de ir embora. Fui recolhendo de leve todos os livros, cartinhas e assoprando as últimas bolinhas.  Junior, o colega da cama ao lado que já estava ligado me disse:

- Ih cara! Acho que te deixaram pra trás! Vai lá! Hahahaha

Eu já estava saindo quando ouvi a mãe de Daniel me dizer sorrindo “Olha, ele tá chorando!”. Quando olhei, vi Daniel com as mãos nos olhos, a boca aberta e as lágrimas caindo. É claro que eu quase fiz o mesmo. Mas segurei o choro.

-Dani, eu preciso ir agora, mas oh... não fica triste não... pensa nos passarinhos!

Pois é Dani. Bem que eu queria leva-lo junto, mas eu não posso te prender comigo. Pássaros foram feitos pra voar.

2 comentários:

  1. Rafael, que incrível texto e trabalho! Como faz pra participar?! Sou da área da saúde, faço enfermagem e acredito muito no lema: Quem ajuda a sorrir, ajuda a viver. Parabéns!
    Um abraço,
    Diogo Simonaci.

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