terça-feira, 7 de maio de 2013

Um sorriso entre “nãos” e a princesa preciosa


Elisa Ramone
 
Há alguns meses, por diferentes motivos alheios à minha vontade, eu não ia ao Hemorio. Eu já estava morrendo de saudade de brincar com aquelas crianças e sentir tudo o que uma manhã na brinquedoteca me proporciona. Estava um pouco ansiosa também, com a sensação de que o afastamento me fazia desaprender a lidar com aquela situação, porque o Hemorio, para mim, é sempre um desafio. Na verdade, acho que não dá pra “desprender” algo que, antes de tudo, não se aprende, não tem uma fórmula. Porque não importa quantas vezes eu vá, sempre fico com um friozinho na barriga, e não é segredo para ninguém que eu detesto ir a hospital, evito ao máximo encontrar um médico e tenho um pavor de agulha vergonhoso. E eu fui logo me apaixonar por um projeto que me faz visitar crianças nessa situação que eu tanto temo e tentar arrancar delas alguns sorrisos...

Nesse sábado de manhã, eu conheci a Raquelli e rapidamente lembrei o principal motivo de o Hemorio ser tão desafiador: entreter alguém internado ali exige muito improviso e criatividade. A Raquelli se interessou pelas bolinhas de sabão que eu estava soprando, mas estava cansada depois de uma noite quase sem dormir em função dos remédios fortes e logo se cansou de tentar estourar as bolinhas. Então, ela fechou a cara, colocou o “não” na ponta da língua e decidiu que nada seria aceitável sem a mamãe por perto. Nem Pula-Macaco, nem historinha, nem massinha. Nem mudar de lugar para dar espaço para o amiguinho jogar futebol de mesa. Nem dar um desenho dela de presente para o tio Gustavo.

Improviso. Criatividade. O desafio é este: entender cada “não” como uma motivação para pensar em outra possibilidade, ter uma ideia melhor, sugerir uma brincadeira nova. Até arrancar aquele sorriso, que faz valer nosso trabalho como voluntários. E o trabalho valeu mesmo. Depois de um tempo, ela quis pintar um desenho da Ariel, porque gosta muito de princesas, e me cedeu algumas risadas jogando Cara a Cara. Depois o “não” foi definitivo e ela quis voltar para o leito para recuperar o sono perdido da noite. Mas eu já tinha sido vitoriosa, já tinha recebido meu prêmio.

E então, quando eu já me dava por satisfeita com o desafio do dia, eu conheci a Esmeralda. Uma menina linda com nome de pedra preciosa que gosta de fazer pose de princesa para as fotos. A princesa preciosa estava vestindo um pijama de ovelhinhas rosas e eu, imaginando que em uma noite sem sono ela contasse as ovelhas como se contam carneirinhos, perguntei se ela sabia quantas eram. Ela disse que não sabia, mas decidiu contar ali mesmo, porque a questão era muito importante, e eu a ajudei contando as das costas. Resolvi contar cada vez mais rápido como pretexto para fazer cócegas em uma princesa, que me respondeu entre risos: “Ufa, assim cansa, né?” E ela já tinha me conquistado. Ao contrário da Raquelli, para a Esmeralda, tudo era “sim”. Ela decidiu montar um quebra-cabeça e cada peça colocada no lugar certo era uma vitória a ser comemorada. Ela se sentou sobre um cavalinho amarelo, e o banquinho também virou motivo de festa, continuou tentando decifrar o encaixe das pecinhas pulando sobre o alazão de borracha.

Assim, com a Raquelli e a Esmeralda eu me senti muito bem-vinda de volta ao Hemorio. Em um só dia, revi as duas lições que esse voluntariado insistentemente me ensina.

Os “nãos” da primeira me fizeram lembrar o quanto é gratificante ver nosso esforço dar frutos, e os “sins” da segunda me lembraram que a nossa felicidade está dentro da gente. Porque, na minha opinião, o bom humor, que nós tantas vezes encontramos nessas crianças que vivem ainda tão novas o que talvez seja a maior dificuldade de suas vidas, é a felicidade genuína. É a prova de que a felicidade independe de qualquer coisa além de nossa própria vontade. E o alerta para que estejamos atentos para escolher sempre sermos felizes.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário