Elisa Ramone
Há alguns meses, por
diferentes motivos alheios à minha vontade, eu não ia ao Hemorio.
Eu já estava morrendo de saudade de brincar com aquelas crianças e
sentir tudo o que uma manhã na brinquedoteca me proporciona. Estava
um pouco ansiosa também, com a sensação de que o afastamento me
fazia desaprender a lidar com aquela situação, porque o Hemorio,
para mim, é sempre um desafio. Na verdade, acho que não dá pra
“desprender” algo que, antes de tudo, não se aprende, não tem
uma fórmula. Porque não importa quantas vezes eu vá, sempre fico
com um friozinho na barriga, e não é segredo para ninguém que eu
detesto ir a hospital, evito ao máximo encontrar um médico e tenho
um pavor de agulha vergonhoso. E eu fui logo me apaixonar por um
projeto que me faz visitar crianças nessa situação que eu tanto
temo e tentar arrancar delas alguns sorrisos...
Nesse sábado de manhã,
eu conheci a Raquelli e rapidamente lembrei o principal motivo de o
Hemorio ser tão desafiador: entreter alguém internado ali exige
muito improviso e criatividade. A Raquelli se interessou pelas
bolinhas de sabão que eu estava soprando, mas estava cansada depois
de uma noite quase sem dormir em função dos remédios fortes e logo
se cansou de tentar estourar as bolinhas. Então, ela fechou a cara,
colocou o “não” na ponta da língua e decidiu que nada seria
aceitável sem a mamãe por perto. Nem Pula-Macaco, nem historinha,
nem massinha. Nem mudar de lugar para dar espaço para o amiguinho
jogar futebol de mesa. Nem dar um desenho dela de presente para o tio
Gustavo.
Improviso.
Criatividade. O desafio é este: entender cada “não” como uma
motivação para pensar em outra possibilidade, ter uma ideia melhor,
sugerir uma brincadeira nova. Até arrancar aquele sorriso, que faz
valer nosso trabalho como voluntários. E o trabalho valeu mesmo.
Depois de um tempo, ela quis pintar um desenho da Ariel, porque gosta
muito de princesas, e me cedeu algumas risadas jogando Cara a Cara.
Depois o “não” foi definitivo e ela quis voltar para o leito
para recuperar o sono perdido da noite. Mas eu já tinha sido
vitoriosa, já tinha recebido meu prêmio.
E então, quando eu já
me dava por satisfeita com o desafio do dia, eu conheci a Esmeralda.
Uma menina linda com nome de pedra preciosa que gosta de fazer pose
de princesa para as fotos. A princesa preciosa estava vestindo um
pijama de ovelhinhas rosas e eu, imaginando que em uma noite sem sono
ela contasse as ovelhas como se contam carneirinhos, perguntei se ela
sabia quantas eram. Ela disse que não sabia, mas decidiu contar ali
mesmo, porque a questão era muito importante, e eu a ajudei contando
as das costas. Resolvi contar cada vez mais rápido como pretexto
para fazer cócegas em uma princesa, que me respondeu entre risos:
“Ufa, assim cansa, né?” E ela já tinha me conquistado. Ao
contrário da Raquelli, para a Esmeralda, tudo era “sim”. Ela
decidiu montar um quebra-cabeça e cada peça colocada no lugar certo
era uma vitória a ser comemorada. Ela se sentou sobre um cavalinho
amarelo, e o banquinho também virou motivo de festa, continuou
tentando decifrar o encaixe das pecinhas pulando sobre o alazão de
borracha.
Assim, com a Raquelli e
a Esmeralda eu me senti muito bem-vinda de volta ao Hemorio. Em um
só dia, revi as duas lições que esse voluntariado insistentemente
me ensina.
Os “nãos” da
primeira me fizeram lembrar o quanto é gratificante ver nosso
esforço dar frutos, e os “sins” da segunda me lembraram que a
nossa felicidade está dentro da gente. Porque, na minha opinião, o
bom humor, que nós tantas vezes encontramos nessas crianças que
vivem ainda tão novas o que talvez seja a maior dificuldade de suas
vidas, é a felicidade genuína. É a prova de que a felicidade
independe de qualquer coisa além de nossa própria vontade. E o
alerta para que estejamos atentos para escolher sempre sermos
felizes.
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